Leituras poéticas – Capítulo 42

Em busca da semente

 

Corpo Vazio

 

Por Majda Hamad Pereira

 

Sou o tempo perdido

Das horas passadas

Sentado e contido

A espera do nada.

 

Reflexão – Uma leitura possível do poema:

 

Corpo Vazio

 

A metáfora do "corpo vazio" é central para a compreensão do poema. O corpo, tradicionalmente associado à vitalidade e à experiência, aqui se apresenta como um receptáculo vazio, incapaz de conter a plenitude da vida. Essa imagem evoca um sentimento de falta, de incompletude, que pode ser interpretado tanto em um nível pessoal quanto social.

 

Sou o tempo perdido

 

Ao se identificar com o tempo perdido, o eu lírico expressa um sentimento de profunda melancolia e um distanciamento em relação à própria existência. A expressão "perdido" evoca não apenas a ideia de um passado irrecuperável, mas também uma sensação de desorientação e de não pertencimento.

 

A temporalidade, nesse contexto, adquire um caráter existencial, pois a perda do tempo é sinônimo de perda de oportunidades e de significado. A contradição implícita na afirmação – o sujeito lírico, um ser consciente, se equipara ao tempo, uma entidade abstrata – aponta para uma crise de identidade, na qual os limites entre o sujeito e o objeto se diluem.

 

Essa identificação com o tempo perdido pode ser interpretada como uma tentativa de transcender a individualidade e de se conectar com uma experiência universal, a da finitude e da passagem do tempo.

 

Das horas passadas

 

A insistência no passado evoca um sentimento de nostalgia e de irremediável perda. As "horas passadas" não são apenas unidades de tempo, mas sim momentos da vida que se esvaíram e que carregam consigo a promessa de um futuro que não se concretizou.

 

Essa insistência no passado pode ser interpretada como uma tentativa do eu lírico de dar sentido à própria existência, buscando nas lembranças uma justificativa para o vazio presente. A escolha do tempo verbal passado revela, portanto, uma profunda reflexão sobre a natureza do tempo e sobre a condição humana, marcada pela finitude e pela consciência da passagem inexorável do tempo.

 

Sentado e contido

 

A imagem do eu lírico "sentado e contido" transcende a mera descrição física e adquire um profundo significado simbólico. A postura sentada, tradicionalmente associada à passividade e à contemplação, aqui se intensifica pela adjetivação "contido", que sugere uma contenção dos impulsos e uma resignação diante da vida.

 

Essa imobilidade corporal reflete um estado emocional de apatia e de vazio existencial. A imagem do corpo como um recipiente vazio, incapaz de conter a energia vital, encontra eco na postura estática do eu lírico.

 

A escolha dessa postura não é aleatória, mas sim uma estratégia discursiva que visa transmitir a sensação de paralisia e de incapacidade de agir diante da adversidade.

 

A contraposição entre a dinâmica do mundo exterior e a imobilidade do sujeito lírico enfatiza a alienação e o distanciamento do eu em relação à realidade.

 

A espera do nada

 

A expressão "A espera do nada" encapsula uma das experiências mais profundas e angustiantes da condição humana. A espera por algo que se sabe que não virá evoca uma sensação de vazio existencial e de absurdo que tem sido explorada por filósofos e escritores ao longo dos séculos.

 

O "nada" aqui não se refere apenas à ausência de algo concreto, mas sim à percepção de uma falta de significado e de propósito na vida. A consciência da finitude e a impossibilidade de encontrar respostas definitivas para as grandes questões existenciais podem gerar um sentimento de angústia profunda.

 

A espera pelo "nada" é, portanto, uma metáfora para a busca incessante por um sentido que parece sempre escapar. Essa busca, por sua vez, pode levar a uma sensação de desespero e de alienação em relação ao mundo.

 

Leituras...

 

A leitura do poema "Corpo Vazio" nos conduz a uma profunda reflexão sobre a condição humana e a possibilidade de uma crise existencial. O eu lírico, ao expressar sentimento de vazio, apatia e desespero, revela uma angústia característica daqueles que questionam o sentido da vida e se sentem deslocados em um mundo aparentemente sem propósito.

 

A crise existencial, nesse contexto, manifesta-se como uma experiência universal, marcada pela consciência da finitude, pela busca incessante por significado e pela sensação de alienação. Essa experiência limite coloca em questão a própria identidade do sujeito, levando-o a questionar a autenticidade de sua existência e a buscar um sentido para a vida que transcenda a mera sobrevivência.

 

A sensação de vazio expressa pelo eu lírico encontra um eco profundo na experiência contemporânea de solidão e isolamento social. A falta de conexões sociais significativas e a crescente individualização da sociedade podem gerar um sentimento de desconexão e de alienação, que se manifesta na forma de um vazio existencial.

 

A solidão, nesse contexto, não se limita à mera ausência de companhia física, mas se estende a uma sensação de incompreensão e de não pertencimento. O isolamento social, por sua vez, pode intensificar a experiência da solidão, ao privar o indivíduo da oportunidade de estabelecer vínculos afetivos e de encontrar um sentido para sua existência.

 

É possível que a solidão expressa no poema seja um sintoma de uma condição social mais ampla, que reflete a fragilidade dos laços sociais e a perda de sentido em uma sociedade marcada pela busca incessante por prazer e consumo.

 

A referência ao "tempo perdido" transcende a mera nostalgia e adquire uma dimensão existencial profunda. A consciência da finitude da vida, inerente à condição humana, torna a passagem do tempo uma experiência carregada de significado. A perda de cada momento é percebida como uma perda irreparável, intensificando a angústia existencial e a busca por um sentido para a vida.

 

A metáfora do "tempo perdido" pode ser interpretada como um lembrete constante da inevitabilidade da morte. Essa consciência da finitude, por sua vez, pode gerar tanto um sentimento de desesperança quanto um impulso para viver intensamente cada momento. A aceitação da finitude, paradoxalmente, pode ser libertadora, permitindo que o indivíduo valorize o presente e encontre um sentido para sua existência.

 

Por fim

 

O poema "Corpo Vazio" é uma instigante incursão na subjetividade do eu lírico, que convida o leitor a confrontar suas próprias angústias e questionamentos existenciais. O poema transcende a individualidade do eu lírico, revelando-se como um retrato universal da condição humana, marcada pela dualidade entre a busca por significado e a inevitabilidade da morte.

 

Poeta Hiran de Melo

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