Leituras poéticas – Capítulo 35
Em busca da semente
Abandono
Por Majda
Hamad Pereira
Esquecida eu
A espera de ínfimas lembranças
Artífices da existência
Ameniza a dor
E a consciência
Da ineficiência humana.
Reflexão – Uma leitura possível do poema:
Abandono
Através de uma
linguagem poética precisa e evocativa, Majda Hamad Pereira, em 'Abandono',
explora a complexidade da experiência humana. A autora, com habilidade, constrói
uma atmosfera de melancolia e introspecção.
A obra, ao mesmo
tempo em que explora temas universais como a solidão e a finitude, convida o
leitor a uma reflexão pessoal sobre a importância da memória na construção da
identidade.
Esquecida eu
O verso inaugural
nos lança no abismo da solidão, onde a voz poética se encontra
"esquecida". A inversão sintática ecoa a desordem emocional, enquanto
a brevidade do verso instaura um tom de melancolia introspectiva.
A espera de ínfimas lembranças
Na busca por
alívio, a voz poética se agarra a "ínfimas lembranças", fragmentos de
um passado que mal preenchem o vazio da solidão. A fragilidade dessas
lembranças é enfatizada pela escolha da palavra "ínfimas", que
ressalta sua pequenez diante da imensidão da dor.
Artífices da existência
As lembranças,
paradoxalmente, se tornam "artífices da existência", moldando a
identidade e a percepção da realidade. No entanto, a ironia reside na
constatação de que esses "artífices" são "ínfimos",
incapazes de construir uma existência plena e satisfatória.
Ameniza a dor
As lembranças,
embora frágeis, cumprem a função de "amenizar a dor", oferecendo um
breve alívio à voz poética. A escolha da palavra "ameniza" revela que
a dor não é extinta, mas sim suavizada, como um bálsamo temporário.
E a consciência
As lembranças
exercem influência sobre a consciência, obscurecendo a percepção da realidade.
A ambiguidade do verso permite interpretar a consciência como a consciência da
dor ou como a consciência da "ineficiência humana", ampliando a
profundidade da reflexão poética.
Da ineficiência humana
O verso derradeiro
revela a raiz da dor: a consciência da "ineficiência humana", a
incapacidade de superar a solidão e o sofrimento. A expressão abarca a
fragilidade da condição humana, a impotência diante do destino e a
vulnerabilidade à dor.
Estrutura e Temas
A estética minimalista presente
em 'Abandono' é reveladora. A escolha por versos curtos e diretos evoca uma
poesia essencialista, que se concentra na essência da experiência emocional.
Essa economia de linguagem,
longe de ser uma limitação, potencializa o impacto das palavras, tornando cada
verso um microcosmo de significado.
A oposição entre 'esquecida' e 'lembranças' constitui o eixo central do poema 'Abandono'. As
lembranças, mesmo que fragmentadas e 'ínfimas', funcionam como um refúgio para
a voz poética, que busca nelas um sentido de identidade e continuidade.
Essa busca incessante
revela a luta existencial contra o esquecimento e a finitude. A tensão entre a
sensação de ser esquecida e a tentativa de se agarrar às lembranças cria um
ritmo poético que intensifica a emoção transmitida pelo poema, convidando o
leitor a uma reflexão sobre a natureza da
memória e a construção da identidade.
A metáfora das lembranças como 'artífices da existência' é um dos pilares
semânticos do poema. Ao personificar as lembranças, a poetisa atribui a elas um
poder criador, transformando-as em arquitetas da
subjetividade. Essa personificação sublinha
a importância da memória na construção da identidade, sugerindo que somos, em
grande parte, o resultado das histórias que contamos a nós mesmos.
As lembranças,
selecionadas e reorganizadas, moldam nossa percepção do passado e,
consequentemente, do presente e do futuro, tornando-se os alicerces sobre os
quais construímos nossa identidade.
A afirmação da 'ineficiência humana' na
última frase do poema funciona como um ponto de chegada e, ao mesmo tempo, um
convite à reflexão. Ao reconhecer nossa incapacidade de controlar o tempo, a
memória e a própria existência, a poetisa nos convida a confrontar a condição humana em sua fragilidade e finitude.
Essa afirmação ecoa
as preocupações existencialistas, que questionam o sentido da vida diante da
inevitabilidade da morte. A 'ineficiência humana', nesse contexto, não é uma
condenação, mas sim uma constatação que nos leva a apreciar a beleza e a
fragilidade da existência.
Leituras...
A solidão, a
fragilidade da existência e a importância da memória se entrelaçam de forma
complexa em 'Abandono'. A voz poética, imersa em um sentimento de isolamento,
busca nas lembranças um refúgio e um sentido para a vida.
A consciência da
impermanência da memória e da vida gera uma sensação de fragilidade e
impotência. A obra revela a complexidade da experiência humana, onde a memória,
ao mesmo tempo em que constrói a identidade, também nos confronta com a
finitude e a inevitabilidade do esquecimento.
Por fim
Em 'Abandono',
Majda Hamad Pereira nos convida a uma profunda imersão no universo interior da
voz poética. A busca por significado, diante da fragilidade da existência, é
centralizada na figura das lembranças, que atuam como um farol na escuridão,
iluminando a trajetória da vida.
Poeta Hiran de Melo
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